Março Amarelo e a Endometriose: uma solução reveladora do quanto as mulheres ainda precisam conquistar no mundo

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Aproveitando que estamos no Março Amarelo, hoje, nesta coluna vou falar de um dos meus maiores “Objetos de Desejo”: eu quero que o mundo acolha melhor as portadoras de Endometriose.

E vou aqui também abrir o meu coração e contar um segredo que pouca gente sabe: sim, eu tenho endometriose, essa condição ginecológica que atinge 176 milhões de mulheres no mundo, cerca 10% da população feminina do planeta, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS).

Marcada pelo crescimento de tecido semelhante ao do revestimento uterino em regiões fora do útero, essa doença pode ser assintomática, mas quando se faz notória provoca dor pélvica intensa e possíveis complicações na fertilidade, e que por isso, demanda uma conscientização ampliada e um compromisso com a autovigilância para um diagnóstico e tratamento oportunos.

Assim como vários conceitos recentes na vida de uma mulher moderna, como é o caso do empoderamento feminino, violência doméstica, relacionamento abusivo, masculinidade tóxica, assédio e importunação sexual e igualdade de gênero, a endometriose só começou a ganhar atenção quando celebridades como Tatá Werneck, Adriana Esteves, Patrícia Poeta, Wanessa Camargo, entre outras quebraram o silêncio e compartilharam publicamente seus diagnósticos de endometriose.

Porém, o mundo evolui a passos muito lentos para quem viu todas essas transformações acontecerem, ainda mais quando tem que lidar com fortes dores e cólicas incapacitantes. Minha história como adolescente e mulher adulta sempre foi marcada pela forte presença de uma menstruação monstruosa, longa e, nos períodos em que eu estava livre dela, havia sempre um grande cansaço e indisposição para tudo, mesmo sendo sempre muito ativa em exercícios físicos e levando uma vida muito saudável.

Sentir dor nunca é normal

Mas mesmo que todos ao meu redor dissessem que isso “era coisa de mulher”, que isso “é normal”, eu me recusei concordar e comecei minha longa trajetória atrás de uma “cura” para todo esse martírio mensal que eu vivia. Para mim, era inaceitável que o que eu sentia dentro de mim, fosse algo “natural” e lá fui eu, em 2011, buscar ajuda em um grupo de dor pélvica no Hospital das Clínicas de Goiânia.

Com vagas disputadíssimas, o programa selecionava as participantes pelo relato do nível da dor que sentiam e pelo seu histórico ginecológico. Como minha avó materna morreu decorrente da complicação de um câncer de endométrio, eu consegui entrar para esse grupo, que depois de consultas e exames não conseguiu atestar nada além do que um mioma no útero. 

O médico chefe da equipe até que suspeitava de endometriose apesar de nada aparecer nos exames que comprovasse de fato a presença dela. Por isso, me indicou o anticoncepcional de uso contínuo e o acesso a um outro grupo de Constelação Familiar, onde ele investigaria possíveis causas somáticas para essa dor pélvica.

O tratamento hormonal mitigou meu sofrimento mensal, ao inibir completamente a menstruação e todo o mal estar que ela me causava. Segundo outros médicos que consultei, a pílula também pode controlar o crescimento do mioma e dos cistos que tenho em um dos ovários e nas mamas. Porém, basta furar a cartela e esquecer de tomar alguns comprimidos que lá vem o monstro de novo que estava apenas adormecido dentro de mim.

Difícil Diagnóstico ou Descaso Médico?

A endometriose ainda hoje é assim: de difícil diagnóstico, com causas desconhecidas e com poucas opções de tratamento. Ao fazer a matéria da Campanha Março Amarelo desse ano para o Portal Mercadoerotico.org com o depoimento de vários especialistas em endometriose, vi que apesar da alta incidência, o diagnóstico ainda é uma grande preocupação, pois pode levar até dez anos para ser feito.

Nada novo no reino da minha Dinamarca: mesmo fazendo o controle anual com uma ginecologista particular (pois acreditem, tive alta do grupo de dor pélvica do Hospital das Clínicas, visto que meu caso não tem diagnóstico e portanto, em teoria, ele nem existe!) toda vez que toco no assunto “endometriose” ela ri da minha cara, como se fosse uma espécie de hipocondria da minha parte.

Fico me perguntando se isso pode ser um exagero da minha parte, mas se até Hillary Clinton produziu o documentário ‘Below the Belt’ mostrando como as mulheres reais são frequentemente rejeitadas, desprezadas, desacreditadas por causa do tabus sociais e preconceitos de gênero, médicos malformados e mal-informados, quem sou eu para discutir!

Esse documentário foi exibido ano passado apenas para convidados durante o congresso internacional MIGS 2023 – Novas Perspectivas em Ginecologia Endoscópica e espero que tenha encorajado a classe médica a pelo menos pesquisar mais sobre o assunto. Para todos nós, os outros pobres mortais, o documentário será disponibilizado aos brasileiros nas plataformas de streaming, bem como em canais de televisão (ainda em negociação), até o final deste ano.

Uma perspectiva mais holística

Para mim, a confirmação de endometriose só veio mesmo em 2022, exatos 10 anos depois do meu primeiro passo em busca de uma solução e pasmem: o diagnóstico da minha endometriose foi feito literalmente pelas mãos de uma fisioterapeuta pélvica! 

Buscando ajuda para minha incontinência urinária por esforço, a fisioterapeuta investigou profundamente o meu caso, pois não entendia o meu quadro a partir dos exames que eu tinha levado para ela.

Aliás, nem os urologistas que fizeram esses exames e nem o urologista que os havia pedido e que tinha até me indicado uma cirurgia na uretra, não entendiam porque eu tinha um escape de urina toda vez que eu espirrava ou tossia, visto que “eu nunca havia tido uma gravidez” e que “eu ainda era muito nova” para ter uma incontinência urinária.

Na época, me lembro que minha única preocupação era se eu poderia voltar a fazer musculação porque eu tinha medo de pegar peso e me mijar inteira. Nos treinos de natação que eu amo tanto, minha instrutora já tinha me alertado que meu rendimento sempre caia quando eu chegava a um determinado nível do treino e ela me indagou se eu tinha algum quadro inflamatório crônico. Eu contei para ela sobre a minha suspeita sobre a endometriose e ela também me disse que poderia ser isso.

Em uma das sessões com a fisioterapeuta, ela aplicou então uma massagem na minha barriga e ao pressionar um determinado ponto no lado direito, muito próximo à bacia, eu urrei de dor. Ali ela decretou: você pode mesmo ter endometriose e por isso tem a musculatura pélvica sempre tão rígida, a ponto de sua bexiga querer se esvaziar com pequenos volumes de urina. Por isso também que, qualquer carga extra nessa região sempre resulta em escapes.

E ela também concluiu que, até mesmo as dores que eu sentia no ciático provocadas pelo que seria um desgaste precoce do joelho poderiam ter sido resultados da endometriose. “No corpo está tudo interligado, eu posso até discordar do seu ortopedista, talvez o que tenha desgastado o seu joelho foram as constantes inflamações no ciático e não ao contrário.”

Como funciona a endometriose

O que acontece com a endometriose é que há momentos em que os restos da menstruação não são expelidos adequadamente e são liberados nas trompas de falópio ou no interior da pélvis. Isso faz com que o endométrio comece a crescer sobre outros órgãos além do útero, formando manchas de tecido endometrial. 

Esse tecido se insere e se desenvolve em áreas periféricas como ovários, intestino, bexiga, e em casos mais raros pode invadir áreas mais distantes como o pulmão, fígado e até mesmo o coração.

Como explica o Dr. Alexandre Rossi, médico ginecologista e obstetra, responsável pelo ambulatório de Ginecologia Geral do Hospital e Maternidade Leonor Mendes de Barros e médico colaborador de Ginecologia da Faculdade de Medicina da USP, este tecido passa a ser estimulado mensalmente, da mesma maneira que aconteceria na região interna do útero, pelos hormônios femininos. 

Assim, mensalmente, se espessam e sangram, podendo infiltrar e provocar aderências entre as estruturas vizinhas, prejudicando a função dos órgãos acometidos e causando dor pélvica crônica. Com o passar do tempo, a inflamação e as aderências geradas pela endometriose podem trazer diversas complicações, entre elas a infertilidade.

Sem cura, o lance é cuidar do estilo de vida

A endometriose ainda não tem cura, e em geral, as opções de tratamento para endometriose são individualizadas de acordo com vários fatores que podem variar de mulher para mulher e dependem muito do diagnóstico. Existem casos que podem ser cirúrgicos mas que podem rescindir ou não depois de algum tempo.

Enquanto pude fazer o tratamento com a fisioterapeuta, minha vida melhorou consideravelmente. Ela me passou vários exercícios de reeducação da bexiga e de relaxamento muscular, usando um tubete onde eu deveria encher com água quente e introduzir na vagina por alguns minutos e também sessões diárias de 5 minutos com o vibrador golfinho.

Além disso, no consultório, ela sempre fazia eletroestimulação da bexiga seguida de exercícios pélvicos localizados e também generalizados usando técnicas de alongamento e pilates. Por variados motivos, tive que parar com esse tratamento, mas voltei aos treinos de musculação que também me ajudaram muito a fortalecer todo o corpo, me trazendo não só o controle da bexiga como mais vitalidade e vigor geral.

Viver com endometriose é isso: você tem que dormir e comer bem e de forma saudável, praticar exercícios físicos contínuos e moderados e nunca se esquecer de tomar a pílula. Porém, isso é no plano ideal. A vida na prática nem sempre nos apresenta as condições perfeitas para tanta disciplina.

Por isso, muitas vezes já pensei em trocar a pílula por DIU ou implantes e até mesmo já considerei uma histerectomia, mas para todos esses outros métodos ainda me sinto muito insegura.

E no meio do caminho sempre tem uma endometriose!

Uma crise recente fez com que eu novamente reconsiderasse todos esses métodos alternativos à pílula. Quem me conhece bem, sabe que desde 2019 venho auxiliando a Paula Aguiar na organização da cerimônia do Prêmio Mercado Erótico Sensual e Bem Estar Íntimo.

Esse ano, ela me pediu para abrir a apresentação do bloco que premia as sexshops regionais com um show onde eu, além de dançar, também cantaria ao vivo. Eu não sou nenhuma artista, mas Paula acha gracioso desafiar profissionais do mercado erótico a serem artistas por um dia na cerimônia de gala e eu sempre topo esse desafio por achar divertido e quem sabe, até inspirar outras pessoas a fazerem o mesmo em edições futuras.

Mas dessa vez, quem subiu no palco para cantar, atuar, dançar e me pisotear com todo o seu talento dark foi a endometriose. Explico: uma semana antes do evento, eu ainda estava de cama por causa de uma forte dengue. Entre febres fortes e remédios ainda mais fortes ainda, eu esqueci de tomar 3 pílulas furando a cartela do anticoncepcional de uso contínuo em diferentes dias ao longo dos 15 que fiquei de repouso.

Foi o suficiente para eu menstruar, depois de 1 ano e meio sem passar por isso, com toda pompa e glória monstruosa que ela, a minha menstruação, adora ostentar. Daí veio junto toda a crise de mal estar, calafrios, náuseas e uma forte dor na lombar que apareceu do nada quando eu estava saindo para o aeroporto, indo para São Paulo, um dia antes do evento.

Desse momento até chegar ao palco, foram mais de 24 horas sob dor intensa, mesmo que me entupindo de analgésico, tomando passe e massagem de pessoas amigas que se compadeceram do meu estado.

4 fatias de pizza, apenas 4 horas de sono, alguns exercícios de alongamento e força, 2 barras de proteína e um sanduíche de presunto e queijo, além de muito trabalho sem hora para acabar preencheram essas eternas horas. 

Tarefas como finalizar roteiro, fazer fichas de apresentação, finalizar press kit, divulgar a transmissão ao vivo, ensaiar o número, orientar a apresentadora do podcast da transmissão ao vivo, maquiagem, preparar os 3 figurinos que eu iria usar na noite, receber e coordenar o tapete vermelho por 3 horas em pé de lá pra cá, trocar de roupa e finalmente brilhar no palco para dançar e cantar, foram cumpridas com sucesso, ou quase.

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Créditos Foto: Nelson Miranda

Dancei? Dancei sim, morrendo de medo de torcer o pé em cima da bota de salto 18, pensei “se Anitta, dá conta, eu também dou”. Porém, a voz, não saiu tão linda como nos ensaios que fiz com meu partner, o Alex Furttado, que me acompanhou pela internet durante dois meses de preparação.

Até aí tudo bem, a vida continua, apresentei o bloco, voltei para homenagear Fátima Moura com um outro figurino lindíssimo, e depois fiquei em pé durante o resto das outras 2 horas e meia da festa observando a cerimônia do fundo do salão. 

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Créditos Foto: Nelson Miranda

Muita gente amiga veio parabenizar todo o trabalho, inclusive sobre meu show. Mas a ficha só foi cair no dia seguinte quando finalmente cheguei em casa, depois de um dia de viagem, quando sentei na minha cadeira para assistir a transmissão…

Infelizmente alguns haters odiaram o show da endometriose e caíram matando no chat. Mas coitado deles, a gente nem pode julgá-los, visto que ainda não conhecem essa estrela, desconhecida por tantos, mesmo que se imponha com toda a sua força em cima de tantas mulheres como eu.

Por isso, eu conclamo a todos a acolherem a nós, as portadoras de endometriose: a gente dá literalmente o sangue, porém parece nunca ser o suficiente. Um pouco de empatia cairia bem, obrigada! 😉

E a você, que se identificou com esse relato, estou a disposição para trocar ideias, apoio e informações pelo email [email protected]

Até a próxima, (de preferência com o dragão endometriose completamente adormecido)!

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Julianna Santos

Relações Públicas, atuante em assessoria de imprensa e gestão de conteúdo para internet. Pós graduada em Educação Sexual pelo ISEXP – Instituto Brasileiro de Sexualidade e Medicina Psicossomática da Faculdade de Medicina do ABC, atendeu a várias empresas e profissionais do ramo erótico de 2002 até atualidade, estando inclusive a frente da sala de imprensa da Erótika Fair de 2002 a 2010. Atualmente é criadora e editora do Portal Mercadoerotico.org

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